sexta-feira, 17 de junho de 2016
Nunca entendi o porquê de dizer um palavrão
após um estado ruim de espírito. Meu amigo, Joaquim Nabuco do Nosor, certa vez,
me disse: “Quando estou bravo, esbravejo; quando estou esbravejando, eu me
sinto aliviado”. Tudo bem que dias após ele foi alterado de sala na unidade
psiquiatra por se eleger vice-presidente do recinto. Seus colegas o chamavam de
louco, pois em seus debates, falava absurdos aos seus oponentes. Na sala, só havia
ele e mais dois.
Esse exemplo não é o mais significativo. Vejo
torcedores elogiando os juízes, habitantes de bares trocando palavras maravilhosas
por discussão política, vizinhos comentando sobre outros vizinhos de forma
gentil e educada, motoristas felizes cumprimentando seus colegas de trânsito,
por ai afora. Mas nunca havia feito parte deste mundo, onde tudo se transforma
ao se proferir uma palavra torpe.
Até ontem.
Dona Joaquina De Arco, presidente (de
verdade) da associação de marias lavadeiras do bairro X (o meu), resolveu bater
lá em casa, após ver uma de minhas frases publicadas. Ela bateu na porta,
esperou eu abrir e, com um sorriso semi-irônico, me disse:
- Quem está em estado vegetativo é a sua avó!
Virou-se logo e saiu sem deixar tempo para a
réplica. Talvez estivesse se referindo a frase: Não há problema em
assistir novelas, desde que seu estado seja vegetativo. Mais tarde,
confirmei. Pensei, antes de qualquer coisa: é neste momento que as pessoas
costumam soltar um palavrório. Matutei por meia hora tentando adotar um termo
mais adequado àquela situação. Meus dicionários, do tempo da que a roda ainda
era um hexágono, remetiam ao: mas que coisa! Incrementando um pouco
mais de baixaria, cheguei à banca com esta tese: mas que excremento mal
procrastinado pelo seu intestino delgado!
Ao perguntar a um garoto de nove anos que já
quebrou minha janela sete vezes jogando bola sobre esse assunto, ele me
lecionou:
- Vai pra **** que ***** com esse papo que eu
não entendo nada, tio.
Anotei no caderninho e guardei para uma
ocasião futura. E ela não demorou a chegar. Estava eu fazendo minhas compras e
na prateleira de vinhos finos franceses, estava o último pacote de Trakinas de
morango do estabelecimento (vasculhei tudo para ver se ainda existia mais
alguma). Quando fui pegar aquele diamante doce, me aparece um brutamonte de
1,54 m, fazendo sombra nos rodapés, e apanha a preciosidade. Foi como um filme
que em minha mente rodou as imagens do menino se expressando e as palavras
brotaram prontamente:
- Vai pra **** que ***** com essa sua mania
de afanar as preciosidades das mãos alheias!
Não sei se ele era surdo. Não me deu ouvidos.
Nem mesmo para o escândalo que estava por vir. Como que instantaneamente, um
alarme soou no pacato mercado, como um alarme que soa quando um cidadão rouba
um pão para comer e é condenado a 35 anos de prisão (e que ainda não foi
instalado no planalto central). Silvio Santos saiu de uma parede, com uma
maleta carregando milhões em barras de ouro (que valem mais do que dinheiro,
segundo ele mesmo afirma). Confetes caíam sobre mim durante a entrega da maleta
em minhas mãos. Havia uma plateia ao fundo, que aplaudia a minha atitude de pé,
como se eu estivesse num programa de auditório. Lá estavam a dona Joaquina e o
menino, me aplaudiam com sorrisos largos. Parecia, ligeiramente, com a reunião
de aceitamento a uma doutrina maçom (ou algo parecido); meu amigo Joaquim, que
só não aplaudia, por causa da camisa de força; mais alguns figurantes típicos
e, para minha surpresa, o grandalhão que roubou minha Trakinas. Entregou-me uma
caixa cheia de pacotes da preciosa bolacha. Ele parecia envergonhado pelo ato
que fez, e parecia arrependido. Após esse cerimonial, uma orquestra sinfônica
entoou “O Guarani”, e um tapete vermelho se estendeu até o caixa. Caminhei
sobre os aplausos do público presente e logo as luzes se apagaram. Tudo voltou
ao normal. Mas eu estava melhor. Aquele palavrão mudou minha vida.
Tudo bem que meu amigo Joaquim não estava
muito bem da cabeça; mas esse era seu modo de vida. Assim que saí do hospital,
me senti um pouco ele. Aprendi muitas coisas.
Na verdade, esqueçam o penúltimo parágrafo. O
baixinho ouviu o palavrão. Acertou-me com um taco de beisebol (que também
estava na prateleira de vinhos finos franceses) na cabeça. Fiquei uns dias em
coma. Ao retornar para casa, o vidro da janela da sala estava quebrado, mas a
bola não estava lá, e nem o Doritos que havia no sofá. A TV estava ligada na
novela da 8h35min, exatamente no momento em que Ronaldo queria se casar com
filha do chefe Pedro, que era pai de sua ex-prima. E a maleta de um milhão
estava vazia. Respirei fundo, e concluí:
- Sabe, até que as novelas são boas!
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