segunda-feira, 25 de julho de 2016

A CÓLERA NOS TEMPOS DE AMOR – L.B.



Titonho gostava de mandar e-mails. De quando em vez, ele inventava um endereço e mandava assim mesmo, sem conhecer o destinatário e sem saber o que lhe aguardava na resposta. Nada o impedia, intimações da justiça, promoções imperdíveis, uma vaga de emprego com 528 candidatos já inscritos, devocionais de saúde, entre outros. Até o dia em que uma pessoa, que não era jurídica, lhe respondeu. Era Josefina.
Josefina era a filha de Demerbal, o chefe da repartição de e-mails da qual Titonho trabalhava.  Ele percebeu que ela havia respondido diretamente para ele, sem cópia para ninguém (diferente das pessoas que mandavam reclamações com cópias até para o Papa). Ela disse: “Oi, garotão, what’s up?”. Ela era jovem como ele, então as gírias são compreensivas. Ele respondeu: “Você é a filha do seu pai?”. Ela replicou: “Sim...”. Bom, depois de mais uns oito e-mails, Titonho pediu Josefina em casamento. Ela aceitou. Mas Demerbal ficou sabendo. Ele conhecia um hacker que conseguia acessar o histórico de acessos de qualquer um, apenas sequestrando o indivíduo e simplesmente exigindo a senha do e-mail para liberação.
Demerbal demitiu Titonho, que foi trabalhar em uma empresa cartográfica. Ele agora mandava cartas para Josefina. Depois da 14º, Demerbal descobriu tudo e mandou capangas até o remetente dar uma surra em Titonho. Ele acabou indo morar em um albergue, de onde continuou em seu sonho de casar-se com Josefina, desta vez mandando mensagens por pombo correio. O que aconteceu? Demerbal tinha um criadouro de pássaros. Ele mandou o pombo de volta com falcões e águias para bicar a cabeça de Titonho. Ele, sem querer desistir de seu amor, tentou o morse, enviados de uma prisão turca, da qual ele, deliberadamente, se dispôs a cumprir pena. Demerbal se chamava Demerbal Morse. E ele era descendente de turcos. Na verdade, de prisioneiros turcos. Titonho saiu pelo ralo, literalmente.
Passados 50 anos, Titonho, já com as marcas da idade no rosto, decidiu fazer aquilo que nunca havia tentado e que poderia representar seu fim: pediu Josefina em casamento, pessoalmente, na presença de Demerbal. Demerbal aceitou. Até disse para Titonho posteriormente: “Achei que fosse medroso, mas agora percebi que não”.
Feito isso, eles se casaram. Titonho e Josefina viveram felizes em uma casa de repouso durante sete meses, até a aposentadoria ter sido suspensa pelo Ministro da Previdência Social. Eles, sem alternativas, foram viver na casa de Demerbal. Demerbal não aceitou. Ele respondeu: “Depois de tudo o que passamos, é assim que me agradecem?”. Por e-mail.

Não culpem Demerbal. Ele nunca se deu bem com as tecnologias. 





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