sexta-feira, 17 de junho de 2016
Certo dia, minha sobrinha Micka Rakinem da
Silveira, de apenas cinco anos, questionou-me:
- Tio, o que você faz da vida?
Fiquei abismado com a curiosidade repentina e
cedia da garotinha. E também pelo fato de nem eu mesmo saber o que eu faço da
vida.
Para responder esta questão, me amparei num
conhecido professor universitário, Antônimo Varíola Guaraná, que escreveu um
livro sobre como lidar com as profissões dos desleixados, Confiando em
Ninguém, onde explica certos nichos de mercado para malandros: “Entre
carregar um saco de cimento e investir em ações, deve-se haver um meio termo”,
disse ele, em uma aula que eu faltei por preguiça. “Sempre haverá alguém que
copiou a matéria e uma copiadora para lhe garantir a vadiagem suprema
momentânea”, escreveu ele na minha prova, onde eu tirei 10, e o colega do caderno
3,45.
Antes ainda de responder à minha sobrinha,
lembrei de um amigo meu, Elton Maravilha, que era advogado e atendente de financeira
de dinheiro moleza. Sempre que nos encontrávamos para um bate-papo do ambiente
de trabalho moderno, ele sempre me dizia: “Filho, se quer que algo dê certo,
invente algo errado”. Ele citou Arostételes, um filósofo grego desconhecido que
inventou a teoria do oportunismo de mercado dos vagabundos (e que influenciou
na criação do Partido dos Trabalhadores). Segundo Elton, Arostételes afirmava
que “matar era um verbo muito amplo, e que suas ramificações dariam empregos
até para os já falecidos, pois incriminar um meliante que matou, e outro que
matou utilizando uma faca são coisas completamente diferentes”. Baseando-se
nisso, nossa classe sempre buscou criar oportunidades, vírgula a vírgula, dos
parágrafos escritos em aramaicos, para que cada erro gramatical gerasse
fortunas, sem mesmo se dar ao trabalho de ter um terno e gravata. Confuso,
perguntei duas coisas a ele, sendo a primeira: “Aonde quer chegar com isso?”.
Elton, Arostotélico, respondeu: “Nunca deixará de existir uma brecha no sistema
desde que você seja perspicaz e busca a vadiagem mais do que leite na padaria”.
E a segunda: “Quem é Arostételes?”. Ele replicou: “Oras, é o dono dessa bodega
em que estamos!”, referindo-se ao dono da padaria, que era uzbequitanês.
Minha sobrinha continuava sem a resposta, mas
essa era mais fácil do que se pode imaginar. Porém difícil de digerir. Lembro
que quando tinha 5 anos, minha mãe me disse que eu já não era mais um bebê e
que não podia ficar apenas deitado o dia todo. Hoje, algumas décadas depois,
ainda não compreendi isso muito bem.
O pai da Micka, Tenório Gregório Notório,
sempre foi trabalhador. Aos 8 anos, já alcançava as ferramentas para o pai trabalhar
na carpintaria que caía aos pedaços; aos 12, criou suas próprias ferramentas e
aos 18 já tinha uma indústria em cada continente que fabricavam ferramentas
para carpintaria, sendo considerado um dos bilionários mais jovens e
promissores. Atualmente, ele largou esse nicho para se dedicar à construção de
prédios em Dubai, quer comprar a Torre Eiffel e pretende ser o primeiro homem a
jogar boliche em Marte. É claro que tudo isso eu inventei, mas essas são as ambições
de qualquer homem comum trabalhador. Ele é açougueiro.
Como seria fácil responder assim: “Eu sou
açougueiro”. Ela iria, no máximo, perguntar: “Que corta bifes?”. Mas não. Responder
o que eu faço seria tão complexo que traumatizaria até um doutor em ciências
humanas psiquiátricas filosóficas iluministas marxistas capitalistas
peemedebistas. Se a pergunta fosse sobre um exemplo de trabalho, eu recorreria
a uma de minhas frases: Anos Dourados
foi o período da música nacional onde os cantores trabalhavam em troca de uma
pepita de ouro. Mas a coragem de
dizer a verdade foi sumindo pela janela.
Pensei isso tudo em 5
segundos. Ela notou que eu hesitei e logo, nos dois segundos posteriores
matutei: ela nunca irá adivinhar o que eu faço, e tentará exprimir todas as
profissões que já teve contato, seja pela TV ou em alguma estação de rádio AM
(que acho que nem existe mais). Bombeiro, eletricista, juiz de futebol, juiz de
verdade, médico, engenheiro, técnico em transações imobiliárias com ênfase em
casas de leilão judicial, degustador de danoninho (talvez esse seja o primeiro
chute dela). Mas não, ela voltou a repetir a pergunta sobre o quê eu faço nesta
vida.
Contra a parede, sem chances
de reação, já desgastado por todas as cartadas, o réu teve que confessar:
- Eu não faço nada, querida.
Ela não pensou 7 segundos como eu e já
emendou outro cruzado de esquerda:
- O senhor está desempregado?
Remuneração. Ai está o X da questão. Ou o Y.
Ou Z. Ou outras 625 variáveis. Não estava mais intelectualmente pronto para
levar o debate para o campo
político-social-democrático-autoritário-ditatorial-comunista-republicano-sulamericano,
e dei a última cartada:
- Sou filósofo.
Ela, agora, pensou 7 segundos. E sem entender
o que eu havia dito, treplicou pondo um fim no drama
intelecto-analfabético-barroco-cubista-greguista:
- Eu não queria mesmo saber sobre isso!
Ela saiu e foi brincar com a lagartixa de
estimação. E eu, já desanimado com a situação, tive que recorrer à Arostételes:
- Me vê ai dois pães franceses!
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